Mundo Quadrado

Ser filha não é fácil, eu que o diga, muitas responsabilidades, obrigações, ainda mais quando se é filha única, as preocupações são todas voltadas para você. Os pais geralmente são super protetores, os meus são um exemplo, querem saber onde estou, com quem, fazendo o que, a preocupação é sempre com as amizades, como no meu caso. Quando comecei a sair sozinha, começou a preocupação de meus pais para saber com quem a sua filha estava andando, se os seus amigos eram boas pessoas, se usavam drogas, mas, no mundo de hoje, são poucas as pessoas que não as usam. No meu ciclo de amigos, há pessoas que usam drogas, sim, e eu nunca escondi isso de meus pais, mas eles sempre falavam que, quando alguém estivesse utilizando drogas perto de mim era para eu me afastar.

Nesse ciclo de amigos, eu comecei a namorar um dos meninos, porém, antes de começar a namorar com ele, eu já o conhecia muito bem e sabia que ele estava passando por uma fase difícil, mas resolvi tentar do mesmo jeito. No começo, gostava apenas de ficar com ele, mas depois acabei me apaixonando. Foi muito difícil no início da relação, ele era uma pessoa um pouco complicada de se conviver por causa da irresponsabilidade e das manias. Com o tempo, fui aprendendo a lidar com tudo isso. Por ser um menino criado solto, sem a mãe do lado (a qual faleceu há alguns anos) não tinha limites, fazia o que bem queria e nunca teve alguém para lhe dizer o que era certo ou errado.

Quando a gente estava namorando, ele não aceitava quando eu dizia que o ele estava fazendo era errado, mas, no caso das drogas, eu era sempre a que falava demais e eu sabia o que estava falando, pois tinha uma base familiar, então eu enxergava muita coisa que ele não conseguia. Meus pais nunca o conheceram, apenas o viram poucas vezes, mas nenhum contato, porém já não foram com a cara dele desde a primeira vez que o viram, até que rolou um pequeno desentendimento entre eu, ele e meu irmão, nada demais, apenas fofocas. Desse dia em diante, meus pais me pediram para que eu me afastasse dele, porém não obedeci e continuei com ele, eu tinha esperança de que meus pais o conhecessem melhor e tirassem aquela má impressão, mas as coisas só pioraram, ele piorou, começou a tomar um rumo errado, além das drogas, o de roubo, coisa que ele e os outros meninos nunca precisaram, eram de classe média e nunca passaram fome nem nada, faziam apenas por adrenalina, como diziam os próprios.

Conselhos não faltaram para ele, sempre estive ao lado dele, mostrando-lhe outro caminho, teve um tempo que até melhorou, resolveu entrar na faculdade, trabalhar, mas esse momento durou pouco, ele e os outros amigos estavam ficando cada vez piores e tinham muitas coisas que eu não sabia e só vim a saber depois, quando a bomba estourou. Certo dia, mudou a vida desses meninos, os quais eram queridos entre a galera e os familiares, tinham um futuro pela frente, mas escolheram o caminho errado, caminho esse os que levou para o COP (Centro de Observação Penal), mudou a vida deles e a de muitas pessoas, principalmente a minha. Vi o sofrimento de uma mãe desesperada por ver seu filho preso, seu filho jovem, no começo da vida. Foi uma notícia chocante para a mídia por serem meninos de classe média, tentei esconder de meus pais, mas acabou sendo impossível, a notícia já estava em todos os jornais, na boca de todo mundo. Meus pais pediram para que eu não procurasse me envolver em nada, mas, mais uma vez, eu os desobedeci.

Resolvi ir visitar o meu namorado, escondido de meus pais, uma decisão que tomei depois de dois meses do acontecido. Assim que entrei no complexo penitenciário, pensei que era um pesadelo e que aquilo não estava acontecendo, mas era real e eu tinha feito a minha escolha de ir visitá-lo. No momento, não bateu arrependimento, pra falar a verdade, hora nenhuma bateu. Quando entrei no lugar, todos ficaram me olhando, os funcionários comentavam: o que essa menina está fazendo aqui, mas logo achavam respostas, sabiam que era amiga de um dos meninos de classe média. A pior parte é a revista, é muito constrangedora, conheci uma realidade diferente da que eu estava acostumada, me vi num lugar que jamais imaginava que estivesse mesmo não sendo um presídio grande e sim um centro de observação pude ver como é a vida de um presidiário, os seus pensamentos, os seus planos, o que fazem no dia-a-dia. Quando vi meu namorado não tive outra reação, além de chorar, senti uma coisa que não consegui explicar até hoje, conversamos bastante e prometi que voltaria e foi o que fiz, voltei. Em uma das visitas, tive contato com os outros meninos também, porém não tive reação, falei pouco com eles, o suficiente para perceber o sofrimento e arrependimento nos olhos de alguns deles.

As minhas visitas iam ficando cada vez mais freqüentes, fui a única do pessoal que andava com os meninos que foi visitá-los, muitos me procuravam para ter notícias. A cada manhã que eu chegava naquele lugar, eu encontrava com a mãe de um deles chorando antes de entrar, lamentando pelo seu filho, aquilo apertava meu coração. O meu namorado começou a enxergar a vida de outra maneira, começou a ver os seus erros, começou a dar valor para aqueles que sempre estiveram do seu lado. Eu fico com pena por ele ser muito jovem, mas sei que o que ele fez foi errado e que agora tem que arcar com as conseqüências, porque por falta de aviso é que não foi, se tivesse escutado o que algumas pessoas falaram, não estaria no lugar em que estava agora. Como a verdade sempre aparece, meus pais descobriram que fui visitá-lo e ficaram bastante decepcionados comigo, o clima em casa ficou muito mal e eles me pediram mais uma vez que esquecesse esse menino, desta vez, obedeci a eles, pelo menos tentei, nunca mais fui visitá-lo, mandei uma carta explicando tudo que aconteceu e ele entendeu a minha situação.

Meus pais podem me proibir de ir vê-lo, mas não de sentir o que sinto por ele, um amor que não sei explicar, pois já tentei esquecê-lo e não consigo. Sinto falta dos meninos, há dias que a saudade bate muito forte e aí o choro é inevitável. Saudades de um tempo que não volta mais, pois nada será como antes, ficará marcado na vida desses meninos o erro pelo resto da vida. Eles se arrependem, mas têm que pagar pelo que fizeram. Acredito que isso serviu de lição para muitos jovens que acham que, por terem dinheiro, nunca acontecerá nada com eles. Os meus amigos pensavam isso, e se enganaram, meses passam e eles continuam no mesmo lugar e eu com o mesmo sentimento dentro de mim: um amor impossível, meus pais nunca aceitarão esse relacionamento, nem que passe anos, apenas se eu já estiver com minha independência, porém eles nunca vão concordar. Entendo o lado deles também, nenhum pai gostaria de ver sua filha envolvida com um presidiário. Vejo que a vida não é fácil, que as nossas atitudes valem muito e espero que um dia tudo mude para melhor.

Mayara Lopes

Aconteça

Por: Glauciene Machado

 

Um, dois… um, dois, três e…

 

Está acontecendo. Aconteceu, acontecerá.

Muda, mudou… mudará.

E se eu pudesse olhar além da minha janela…

Posso. Podia… poderei eu olhar?

 

Aqui perto, do outro lado do mundo,

Bem longe, dentro da minha cabeça: vazio profundo.

Pensamentos que voam com os pés no chão.

Doce fenômeno contradição.

É quando percebo que: “Enquanto isso…”

 

Do lado de lá, de cá e em qualquer lugar.

Para cima, para baixo e para ambos os lados…

… até os sem lados.

Será que vai passar? Vai passar? Passou.

Corre como um trem, não se demorou.

Gira, girou e com certeza vai girar.

E não dá mais pra ficar parada nesse lugar.

 

Mas parei. Parei para pensar no que acontece quando nada acontece. Parei para ver o acontecimento não acontecer. Parei para ouvir o desacontecimento. Senti que o que acontece não aconteceu, pelos menos não aqui, não pra mim. Mas eu sei que enquanto isso… está acontecendo, aconteceu, acontecerá… um, dois, três e vá.

Crônica da estátua ensacada

Por: Daniela Bispo

 

Salvador, cidade quimérica que possui maravilhas e desencantos. De costumes excêntricos, onde também os seus mortos são cultuados através de nomes de ruas, escolas, estátuas e outras coisas mais.  Tais venerações, às vezes, são direcionadas a falecidos não tão nobres.

Todavia, deixando isto de lado, a noite caiu na capital baiana e, junto com ela, as suas peripécias. Desta vez, para surpresa dos baianos, um monumento da cidade foi ocultado por um saco preto. Por se tratar de uma figura conhecida, ainda que a homenagem nos tenha sido imposta pelos seus familiares, rapidamente a notícia se espalhou e o burburinho tomou conta de todos.

Entre tantas hipóteses levantadas, o que de mais certo se tinha era o gigantesco poder do ser humano de imaginar, “viajar” diante do desconhecido. A situação tendia à comédia, em virtude das inúmeras “verdades” que surgiam.

Era comum ouvir: ele foi ensacado em forma de protesto, acabou a hegemonia da tradicional família do morto na Bahia; alguns até foram além, e relacionaram o episódio à queda da estátua do ditador Saddam Hussein. Era a redenção baiana.

Soube-se, no dia seguinte, que deveras a estátua tinha sido encoberta para fins de limpeza e pequenas restaurações, pois o defunto estaria aniversariando e a data não poderia passar despercebida. Era, na verdade, um dia de princesa para a obra, que antes mesmo do meio-dia já dava o ar de sua graça novamente.

E assim, muitas teorias caíram por terra… O intrigante, nesta história, foi que, no meio de todo rebuliço, ouvia-se dizer que “Ele” estava coberto com um saco preto, aquele que costumamos utilizar na coleta de lixo, e por isso ligeiramente se fez associação com a inutilidade, com aquilo que não prestava mais. Então, me questiono se o bendito saco fosse branco ou de qualquer outra cor, teria causado tanto espanto? Tamanha balbúrdia? Será???

Pianola Costureira

Vi, de longe, aquele pianinho, com um banquinho minúsculo. Aquilo realmente me chamou a atenção. – “Será um piano para crianças?” – pensei. Afinal, desejo dar um instrumento musical para minha filha. Ela tem três anos e meio e o presente deve ser proporcional ao seu tamanho. Aquele pianinho me lembrou exatamente isso.

Resolvi me aproximar e ver de perto os seus detalhes. Tinha em sua parte superior algumas caixinhas e gavetinhas. Então, olhei o nome daquela peça: Pianola Costureira. Sua descrição: Tocar piano e saber bordar – qualidades essenciais para uma moça daquela época.

Interessante! Aquela peça estilo barroco representava a situação feminina da época imperial. Afinal de contas, as moças daquele tempo tinham que seguir alguns padrões para conseguir “um bom partido”. Tinham que ser uma moça prendada. Saber bordar era essencial, mostravam, assim, que seriam uma boa dona-de-casa.  E saber tocar piano dava um toque especial, um charme, um luxo.

Sabe, não penso em dar um piano para minha filha. Não me interessa muito se ela vai aprender a bordar ou não. Ah! Também nem passa por minha cabeça, ainda, qual será um bom partido para ela. Mas a sua personalidade pode ser bordada, trabalhada, entre linhas que vão e vêm através da vida. Que ela use a educação e se aprimore assim como um músico se prepara para um concerto, que ela se prepare para a vida. Que ela siga os padrões da dignidade e honestidade pelo mundo afora. Acho que, assim, ela será uma boa moça sem a Pianola Costureira. E o instrumento? Sinceramente, ainda não sei o que dar.

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Texto produzido por Daniel Cambuí após visita ao Museu de Arte da Bahia, programação cultural da disciplina OLE II – FJA 2008.

Aula externa

Estive com os alunos do 1 e do 2 semestre no Corredor da Vitória, na Graça e na ladeira da Barra. Foi uma programação cultural para sairmos da sala de aula e ampliarmos a nossa visão de mundo.

O resultado,  eles, os alunos, estão produzindo, em forma de textos, por livre e espontânea vontade.


Diferente Sensação

Maria Aparecida Brito Santana

 

Em meio a muitas coisas, lugares e situações interessantes, ao descer a ladeira que liga o Corredor da Vitória com a Barra deparei-me com algo bem diferente de tudo aquilo que iria visitar. Aparentemente bem cuidado, o Cemitério dos Ingleses me trouxe uma sensação bem diferente dos outros os quais já visitei. Não porque fiquei emocionada por estar em um lugar onde foram enterrados os corpos de importantes pessoas de épocas atrás e sim pelo fato de um lugar como aquele ter me proporcionado uma paz interior, uma tranqüilidade inexplicável. Será por que os espíritos que ali descansam há tanto tempo já estão conformados com a situação? Ou será pelo simples fato de o cemitério estar localizado de frente para o mar?

Como dizem os adeptos do Candomblé: “Nada melhor do que um banho de sal grosso ou um mergulho no mar para afastar os espíritos inconformados”.

 

Ao som da lagoa do Abaeté

“Passar uma tarde em Itapuã”, como poetizou Toquinho e Vinicius de Moraes, sem ao menos fazer uma visita a Lagoa do Abaeté é não querer desfrutar da beleza natural que este parque pode oferecer. Localizado no Bairro de Itapuã, em Salvador, o parque do Abaeté foi criado em 3 de setembro de 1993. Entretanto, em decorrência da urbanização e revitalização do local, hoje se tem mais um ambiente que sofre impactos ambientais. O parque é um espaço que não conseguiu fugir da poluição sonora.
O Abaeté oferece várias opções de Lazer a Baixo custo. A reserva natural possui quiosques alimentícios, ciclovias, parque infantil, pedalinho, a casa da música e das lavadeiras, além, é claro, da própria lagoa. Em virtude dessa diversidade de atrações, da quantidade de pessoas que o parque recebe e das manifestações culturais que são realizadas na região, aumenta-se gradualmente, as agressões ambientais deste parque.
O ambiente, que tem suas tardes de sábados e domingos embalados pela música popular brasileira como: arrocha, pagode, forró, samba de roda e outros ritmos, possui dificuldades para administrar a diversidade de canções que são tocadas por dia. A mistura de ritmos, provocada pelos bares da área pavimentada do parque, tem causado muito barulho para os moradores e visitantes do lugar, o que perturba não só adultos como também as crianças e idosos. “O barulho tanto incomoda que é a primeira vez que eu estou passando por aqui. Ele escuta música de ninar e quando escuta outro tipo de som fica agoniado”, é o que declara a mãe e professora Naise Sales, 25 anos, quando se refere ao filho.
Segundo a Superitendência de controle e ordenamento do uso do solo e do município (Sucon), os níveis máximos de som permitidos em ambiente durante o dia são: das 7h às 22h, 70 decibéis (dB) e, durante a noite, das 22h às 7h, de 60 dB. Decibéis é medida utilizada para determinar os níveis e freqüência do som.
No Abaeté os quiosques ficam localizados muito perto uns dos outros. Cada barraca utiliza o limite máximo permitido pela Sucon e, no conjunto, o som alcança um volume superior ao permitido. Os moradores próximos ao local não reclamam tanto do barulho produzido pelo parque. As reclamações, normalmente, acontecem porque o ruído provocado pelas pessoas que freqüentam o Abaeté acaba se propagando pela região. E os carros, maiores produtores da poluição sonora, acabam contribuindo também com o barulho nos barzinhos.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2006, Salvador é hoje a 4º cidade mais poluidora do país, e os bairros populosos são os que mais contribuem para isso. Como resposta a essa situação, a Sucon há mais de um ano está produzindo uma campanha de conscientização nos bairros populares, realizando oficinas que ensinam as pessoas a terem responsabilidade social. É o que diz o chefe de fiscalização de poluição sonora Alcir Rocha, ao afirmar que “nós alcançamos um resultado muito bom. Muitas reclamações diminuíram e as pessoas estão tomando consciência”.
A luta contra os agentes que poluem o meio ambiente é constante. Ainda segundo a Rocha, desde a criação da lei municipal nº. 5.354/98, a emissão de sons e ruídos da cidade foi controlada significativamente. Entretanto se de um lado o controle sonoro ajuda a reduzir os impactos ambientais, de outro prejudica a geração de renda dos comerciantes locais. As pessoas se sentem atraídas pela música e festividades do Abaeté, é o som que seduz o visitante. “Se não tiver a música não tem clientela”, diz o ambulante Antônio Teles, 53 anos.
O trabalho realizado pela Sucon e organizações não governamentais como a Nativos de Itapuã, tem apresentado resultados significativos. As festas de carnaval e réveillon que aconteciam há mais de 50 anos foram retiradas do parque, para que houvesse uma redução de impactos ambientais nessa área, mas ainda assim é necessário cooperação e conscientização para resolver esta questão.

Infiltração

 

Paloma olhou o apartamento. Em outro tempo ali viveram tantos sonhos – que ela julgava eternos – mas agora era só um apartamento vazio. Cada canto contava uma história de amor, mas naquele dia os cantos não diziam nada. Ela fixou o olhar num pedaço de papel de parede descascado pela infiltração e lembrou-se dele. Eles também tinham descascado. Conheceram-se numa boate, ele amigo da sua amiga, lindo, perfumado, charmoso. Chegou até ela com um sorriso e dançaram até cansar. O coração palpitava a cada olhar cruzado, cada palavra sussurada. Era ele, ela sabia. Dois meses depois estavam namorando. Gostavam de futebol, vinho, jazz, Pablo Neruda e cinema europeu. Eram como uma engrenagem que, ao se tocar, funcionava perfeitamente. Seis meses atrás, ela pisara no apartamento pela primeira vez. Fizeram amor no balcão da cozinha. Penduraram uma placa de “bem-vindo ao lar” na porta. Escolheram o papel de parede, juntos. Naquela sala, receberam os amigos, fizeram founde, dançaram bolero. Até que, naquela cama, ficou faltando ele, que já não parava mais em casa. Ele alegava muito trabalho no fórum, ela questionava que trabalho duraria até dez da noite. Foi a primeira rachadura na parede. Mas ele não estava lá para consertar. A vida foi correndo e os risos não eram mais ouvidos no apartamento. O vinho de antes era agora copo quebrado no chão. Ela, como fotógrafa que era, o avisou que ia viajar. Dessa vez, ele não a rodopiou no ar, nem a carregou até a cama numa chuva de beijos. Apenas assentiu, cabisbaixo. No domingo, ao chegar antes do previsto em casa, ela sorriu para a plaquinha, disposta a fazer dali um lar novamente. Girou a chave e viu. Viu aquilo que nenhuma mulher quer ver. Um emaranhado de corpos nus e suados no sofá-cama. Seu filme francês favorito passando no dvd. Sua cabeça rodava, as coisas tremiam nas suas mãos. Seu homem, sua casa, seus sonhos – outra mulher. Eles levantaram apressados, num misto de surpresa e medo. Ele, se vestindo, falava coisas que ela nem ouvia mais. Ela entrou no quarto e trancou a porta. Chorou colocando as coisas dele na mala, chorou rasgando as fotos,chorou enterrando suas crenças. Ao sair com a mala dele, encontrou-o chorando no sofá. Só havia silêncio. Ambos sabiam que não havia volta ou perdão, alguém havia se infiltrado entre eles, e ainda escorria aquela mágoa nos dois corações. Depois, ele tentou voltar. Ela não quis. Foi despertada da lembrança pela campainha da porta. Era o corretor de imóveis com um casal jovem e sorridente. Ela deu um sorriso amargo, retirou a placa da porta e foi embora sem olhar pra trás.

Juliana Correia

Bienal em Salvador

Guia para uma ida menos desgastante à Bienal

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 Fui à Bienal do Livro ontem. Não sei porquê fui, deveria ter ouvido às milhões de (péssimas) impressões que outras pessoas tiveram ao ir antes de mim e ter ficado em casa. 

Sei que acabei indo – sempre fica uma pontinha de esperança de que a Bienal vai ser legal (na teoria, era pra ser mesmo) e que eu vou poder comprar um mooonte de livros por um precinho mais em conta. É, não foi nada disso que aconteceu. Não senti prazer em estar lá, minha pernas começaram a doer, a fome começou a bater (embora tenha me empanturrado de pipoca antes de ir pra lá), os preços começaram a ficar muito caros (creio que eles sempre estiveram) e os livros desinteressantes (o que é algo extremamente frustrante).

E foi por isso tudo, e por ser uma menina legal  e que pensa nos outros também, que eu resolvi dar algumas dicas para quem ainda sonha que essa Bienal do Livro não está falida e que pensa em passar por lá.

1) Ir à Bienal para tentar fazer a assinatura de uma revista por um preço promocional pode ser uma boa opção, digamos que os preços estão razoáveis. Mas se seu foco são realmente os livros….então o melhor seria se você passasse longe dos stands de venda da Carta Capital, Revista Educação, Revista História e por aí vai. E melhor, passar o mais longe possível ouvindo música no seu mp3 (não sei porquê pensei em dizer walkman, mas creio que isso é coisa da idade da pedra), com a mão engordurada com alguma comida e fazendo uma cara muito, muuuuito feia e brava que é pra afastar os vendedores insistentes, insuportáveis, chatos, que gritam no seu ouvido e que vem com argumentos baratos. Sinceramente, se eu passasse por mais um stand de venda de QUALQUER revista ontem, eu ia ter um troço. Será possível que a pessoa não sabe vender? Será possível que ela pensa que vai conseguir um comprador por insistência??? É de irritar que de stand em stand uma ente me venha oferecer a assinatura da ” melhor revista do brasil” da pior maneira possível. Tenha santa paciência…
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2) SE vai à Bienal sem um livro ou um autor em mente, desista. Naquela bagunça de stands mal organizados, bagunçados e com livros empoeirados você dificilmente vai conseguir encontrar (é nessas horas que uma Siciliano ou uma Civilização Brasileira me fazem falta: ar condicionado funcionando, livros arrumadinhos e bem cuidados, e cadeiras para tornar a leitura ainda mais prazerosa). 
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3) Se vai à Bienal, saia alimentado de casa. Não vale muito à pena pensar em fazer um lanchinho rápido por lá. Os funcionários das lanchonetes e “restaurantes” são tão irritantes e mal educados quanto os vendedores de assinatura de revista.
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4) Se você vai à Bienal de carro, é melhor preparar a paciência e a notinha de dois ou até cindo reais: os guardadores de carros estão a todo vapor e espalhados por tudo quanto é canto, prontos para ” tomar conta do seu carro, dôtora”.
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5) Se tá de tédio, vá à Bienal. Aproveite e leve seu vizinho, primo ou irmão, mas só se ele(a) tiverem até 7 anos de idade. Afinal, nessa Bienal HOR-RO-RO-SA você só encontrar stand de livros para eles. E nem vale pesquisar: todos os livros estão em todos os stands e com quase o mesmo preço.
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6) E, por fim, se você é uma pessoa muito nervosa e se lhe é recomendado o exercício da paciência, vá a Bienal.
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** Aaaaaah! tenha santa paciência…fico escrevendo isso com um certo ar de leveza ou de tô-nem-aí, mas, sinceramente, estou revoltada. Depois as pessoas se queixam de que tão poucas pessoas lêem. Ô, não é pra menos, né? Com esse incentivo… 

ps: fotos tiradas do google e do corbis (www.corbis.com)

Comentário produzido por Marta Lizandra. Mais textos no blog: http://landslide.wordpress.com/

Tempero Vital

Por Diego Luz

 Mexe…  Remexe… Será que está bom?  A feijoada com o caldo, o arroz no fogão, o macarrão com o molho e o universitário no mercado de trabalho.  Coloca tudo na “panela” e mexe! É tudo mesma coisa!  O tempo passa, cozinhando as certezas e os fracassos da vida, até chegar ao ponto certo de se deliciar com a “vitória” de um grande “prato” para a sociedade. É a famosa “culinária social”… A vida e o seu tempero… O jovem versus o estágio.

É corre de lá… É para cá… Currículo que vai e volta. Ai meu Deus! Preciso ser selecionado! A murmuração às vezes toma conta dos pensamentos. Será que o tempero não está correto? Mexe…  Remexe…  E tudo novamente!

Está faltando o que neste tempero?  O que falta para o verdadeiro sabor? Currículos recheados de confetes, com aparência até agradável… Os verdadeiros “cozinheiros” selecionam pelas entrevistas–panelas o melhor tempero para o cardápio-mercado. Um pouquinho de especialização ali, um toque de mestrado aqui, e para dar um toque especial, a “cereja do bolo”, enfim, o doutorado. Mexe… Remexe… Hummmmmmmm…. Acho que já está bom!              

Quarta feira de cinzas é 1 de janeiro em Salvador

Por André Frutuôso                

Ressaca, lembranças e saudades. Tudo passou e momento semelhante só ano que vem, agora tudo volta ao normal e o ano começa realmente. Os blocos passaram, o trio já foi, os ensaios de verão terminaram e a árdua rotina se instala novamente.       

A maioria das pessoas que encontrei depois de Carnaval me diziam: agora o ano começou! A idéia que paira no ar é: por que em Salvador as atividades só começam “pra valer” depois da festa momesca? É válido ressaltar que nossa cidade tem festa os 365 dias do ano, a começar com a festa da Boa Viagem 1º de ano, lavagens e outros eventos até o Reveillon.

Seria um traço cultural da capital baiana? Sem dúvidas, está impregnada no inconsciente coletivo do soteropolitano, a idéia de que o ano só começa depois que deixamos os colares do Gandhy de lado, pendurados na parede, e colocamos os abadás – divididos em até 12 vezes sem juros – para ser pano de chão…